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SaĂșde: a "crise" e o que a mĂ­dia esconde

Esforço de NĂ­sia para sanear os hospitais federais no Rio foi confrontado, com participação decisiva da Globo. Mas por trĂĄs das turbulĂȘncias, hĂĄ tambĂ©m o subfinanciamento do SUS, a ausĂȘncia de concursos e o trabalho precarizado

Por J1 em 21/03/2024 às 16:32:48
Incêndio atingiu o Hospital Federal de Bonsucesso, na zona norte do Rio de Janeiro, em 27 de outubro de 2020. Créditos: Coren/RJ

Incêndio atingiu o Hospital Federal de Bonsucesso, na zona norte do Rio de Janeiro, em 27 de outubro de 2020. Créditos: Coren/RJ

A crise duradoura nos hospitais federais do Rio de Janeiro foi responsĂĄvel pela exoneração, em menos de 24 horas, de um secretĂĄrio e um diretor do Ministério da SaĂșde.

Um deles é um nome importante na gestão pĂșblica da saĂșde brasileira: Helvécio Magalhães, secretĂĄrio de Atenção Especializada à SaĂșde (SAES).

O outro, Alexandre Telles, seu subordinado, era responsĂĄvel direto pelos hospitais federais, chefe do Departamento de Gestão Hospitalar (DGH) no Estado do Rio de Janeiro.

O fato é que, quinze meses após o começo do governo Lula, pouco havia sido feito para reverter os anos de sucateamento daqueles hospitais, que atendem não apenas o estado do Rio de Janeiro, mas todo o Brasil, e são referĂȘncia em alta complexidade.

As causas do declĂ­nio são mĂșltiplas, mas entre as principais estão o subfinanciamento prolongado do SUS e as dezenas de irregularidades encontradas reiteradamente na gestão dos hospitais.

A crise começou assim que o Ministério da SaĂșde tentou mexer nesse vespeiro. Desde o inĂ­cio do mandato, a pasta vem fazendo relatórios que atestam as péssimas condições em que se encontram os hospitais federais.

Na nota técnica mais recente, o DGH lista as "fragilidades e irregularidades no âmbito da contratação de serviços continuados".

Dizem respeito a todo tipo de corrupção ordinĂĄria, mas sobretudo indicam favorecimento de empresas sem justificativas técnicas e contratações e aquisições com preços acima do mercado.

Essa nota técnica serviu de justificativa para a publicação de uma portaria que centraliza as compras feitas pelos hospitais federais no órgão do Ministério da SaĂșde. O DGH justificou que isso traria eficiĂȘncia e redução de custos, além de basear-se na nova Lei de Licitações de Contratos Administrativos.

A mudança deveria começar a valer no dia 14, mas a pressão sobre NĂ­sia Trindade foi tamanha que a ministra decidiu adiar em mais um mĂȘs a medida. Mesmo assim, os ânimos continuaram aflorados, dando sequĂȘncia a uma série de eventos temerosos.

Para responder à pressão contrĂĄria à centralização de compras, NĂ­sia tomou uma decisão que é vista como intervenção nos hospitais.

Na sexta-feira, 15/3, criou um ComitĂȘ Gestor que ficaria a cargo da gestão da rede durante 30 dias, e seria comandado pelo então secretĂĄrio Helvécio Magalhães.
Começaria a atuar na segunda. Mas no meio do caminho havia uma matéria do FantĂĄstico. O jornal dominical fez uma reportagem extensa em que denunciava o estado precĂĄrio dos hospitais federais do Rio de Janeiro.

Entre as denĂșncias, despontou o nome de Helvécio, que enviou uma pessoa sem cargo pĂșblico, ligada a uma empresa prestadora de serviços à SaĂșde, para averiguar a situação predial no hospital de Bonsucesso.

Na manhã seguinte, Telles jĂĄ estava fora da direção do DGH. Mas a pressão sobre NĂ­sia aumentou, durante reunião ministerial tensa, em que Lula a questionou sobre o assunto.

Até o fim do dia, a notĂ­cia de que Helvécio havia sido exonerado jĂĄ circulava – confirmada na terça.

Em seu lugar, tanto na SAES quanto no ComitĂȘ Gestor, fica Nilton Pereira, atualmente diretor do Departamento de Atenção Hospitalar, Domiciliar e de UrgĂȘncia, interino.

HĂĄ rumores de que NĂ­sia indicarĂĄ o sanitarista Adriano Massuda para ocupar o cargo.

Mas o que fazer para desatar todos esses nós? Em entrevista à Globo News, o ex-ministro da SaĂșde, José Gomes Temporão, defendeu as medidas tomadas por NĂ­sia e Telles para a centralização de compras no DGH.

Mas, para ele, é pouco: "Nós precisamos ter um projeto ousado, de mudança radical".

Temporão acredita que é preciso buscar um novo modelo de planejamento e gestão, que acabe com os cargos por indicação nos hospitais, e privilegie as contratações técnicas.

Lucia PĂĄdua, servidora do Ministério da SaĂșde na ĂĄrea de vigilância em saĂșde e diretora da FENASPS (Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em SaĂșde, Trabalho, PrevidĂȘncia e AssistĂȘncia Social), vĂȘ um ponto nevrĂĄlgico a ser resolvido, que diz respeito aos recursos humanos.

Segundo ela, hĂĄ um déficit de 10 a 12 mil profissionais na rede de hospitais federais, e não se faz concurso pĂșblico para recompor a força de trabalho desde 2010.

Isso acarreta, além da piora de serviços à população, constantes crises internas, provocadas pela enorme rotatividade de pessoal.

Boa parte dos funcionĂĄrios vive sob a instabilidade e a incerteza de contratos temporĂĄrios, algo incompatĂ­vel com a atividade que exercem.

"Nós somos uma rede de alta complexidade; o treinamento de um profissional é longo, demora até um ano para se completar", explica Lucia.

Por diversas vezes, nos Ășltimos anos, armou-se uma tempestade no momento em que os contratos temporĂĄrios estavam para vencer.

Aconteceu inclusive nos Ășltimos dias do governo Bolsonaro: o ministério ficou a um triz de não renovar os contratos de 500 funcionĂĄrios, que venceriam dali a um dia. Mas hoje o problema continua: em maio próximo, cerca de mil contratos vencerão, e mais outros 4,1 mil em dezembro.

NĂ­sia estĂĄ em tratativas com o Ministério da Gestão e Inovação em serviços pĂșblicos para a sua renovação ligeira.

"Tudo bem que é uma questão emergencial, mas a gente não pode continuar com esse método", critica Lucia, "a gente precisa realizar concurso para preencher essas vagas de forma permanente, para criar o vĂ­nculo necessĂĄrio. Esse é um problema sério da rede".

Ela conta que, no momento de transição do governo, os servidores da rede federal escreveram uma carta com o diagnóstico dos problemas que perduravam nos hospitais federais, e listou alguns pontos, como a defesa da manutenção da gestão pĂșblica, concurso e carreira para os servidores e o fim das ingerĂȘncias polĂ­ticas na direção dos hospitais.

"Cargo de direção de hospital é cargo técnico de alta complexidade."

A fala de Temporão à TV vai na mesma direção.

Ele aponta para o fato de que o Ministério da SaĂșde tem papel importante na resolução dos problemas dos hospitais federais, mas não é o Ășnico responsĂĄvel.

O ex-ministro também chama a atenção para o enorme problema que é a precarização da força de trabalho na rede – e ressalta: abrir concursos pĂșblicos não depende de NĂ­sia.

"Não estou vendo esforço do governo como um todo para apoio do Ministério da SaĂșde, para superar esse quadro dramĂĄtico", lamenta.

Mas Temporão tem "total confiança" em NĂ­sia Trindade, e em sua "grande disposição para enfrentar essa questão".

Lucia PĂĄdua crĂȘ que Lula deu uma sinalização importante à ministra, de que as coisas precisam mudar.

Para a servidora, abre-se a possibilidade de que "as unidades possam ter uma gestão técnica, profissionalizada, com participação dos servidores e usuĂĄrios", e também "que seja realizado concurso pĂșblico para encerrar esse ciclo de precarização do trabalho, e que finalmente os servidores sejam contemplados com um plano de carreira que os valorize e dĂȘ dignidade".

Fonte: Da Redação

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