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Biden diz que só desiste da campanha se Deus mandar

À rede americana 'ABC', presidente voltou a afastar hipótese de desistência da corrida eleitoral. Performance na entrevista pode ser decisiva para que Biden continue na disputa.

Por J1 em 06/07/2024 às 11:19:46

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, admitiu em entrevista à rede americana ABC que não estava bem preparado para o debate presidencial com Donald Trump. O democrata também alegou que estava doente e se culpou pelo "episódio ruim".

"Não foi culpa de ninguém, foi culpa minha", disse Biden sobre seu desempenho no debate.

A entrevista, a primeira após o debate presidencial, foi ao ar na noite desta sexta-feira (5) e é considerada decisiva entre os democratas para que Biden continue na disputa eleitoral. Nos bastidores, cresce a pressão entre apoiadores e doadores para a desistência da candidatura.

Ainda assim, durante a entrevista, Biden voltou a afastar a possibilidade de desistir de concorrer à reeleição após o desempenho ruim no debate do dia 27 de junho — que colocou em dúvida a saúde e a capacidade do presidente.

"Foi um episódio ruim", disse Biden. "Não foi nenhuma indicação de que exista uma condição séria [comigo]. Eu estava exausto. Não dei ouvidos aos meus instintos em termos de preparação."

Presidente dos EUA, Joe Biden, faz discurso em comício eleitoral em Rileigh, na Carolina do Norte, em 28 de junho de 2024. — Foto: REUTERS/Elizabeth Frantz

Presidente dos EUA, Joe Biden, faz discurso em comício eleitoral em Rileigh, na Carolina do Norte, em 28 de junho de 2024. — Foto: REUTERS/Elizabeth Frantz

Questionado se desistiria se outros democratas no Congresso dissessem que ele estava prejudicando suas chances de reeleição em novembro, Biden afirmou que só desistiria se Deus mandasse: "Se o Senhor Todo-Poderoso aparecer e me disser, poderia posso fazer isso".

Ao ser perguntado sobre possível falta de tempo para descansar o suficiente após as viagens que fez para a Europa e pelos Estados Unidos, Biden disse que estava se sentindo "terrível" no dia do debate.

"Eu perguntei aos médicos se eles fizeram um teste de Covid-19, porque eles estavam tentando descobrir o que estava errado. Eles fizeram um teste para ver se eu tinha ou não alguma infecção, um vírus. Eu não tinha. Eu só estava com um resfriado muito forte", justificou.

Perguntado sobre teste cognitivo e neurológico, Biden se esquivou e disse que passa por testes neurológicos "todos os dias" enquanto desempenha suas funções como presidente. "Ninguém disse que eu preciso de testes neurológicos e cognitivos", afirmou. Nesta sexta, a porta-voz da Casa Branca disse que Biden se consultou com seu médico nos últimos dias.

Em diversas perguntas sobre um possível declínio cognitivo ao longo de seu mandato, a resposta de Biden foi apenas sobre conquistas que seu governo teve. Biden também negou que esteja mais frágil do que anos atrás e brincou com o repórter: "Cumpra a minha agenda".

Outra tática do presidente na entrevista, também utilizada em comício em Wisconsin nesta sexta (5), é tentar tirar o foco nos 90 minutos ruins do debate para os três anos e meio de trabalho realizado durante seu mandato. "Não vou deixar o debate apagar anos de trabalho", disse o presidente no evento eleitoral.

Biden também disse que não assistiu ao debate, mas que tem ciência do desempenho fraco.

A "ABC" disse que também ofereceram uma entrevista a Donald Trump após o debate, mas o candidato republicano negou.


A entrevista

Segundo a Associated Press, a entrevista com George Stephanopoulos, da rede ABC, gravada após um comício em Madison, Wisconsin, deve ser intensa e desafiadora para Biden. Duas pessoas familiarizadas com os esforços do presidente disseram que ele vinha se preparando agressivamente. Elas falaram sob condição de anonimato para discutir o planejamento interno.

Havia um consenso de que Biden não pode se permitir ter outro "dia ruim". Não estava claro se até mesmo uma performance mediana seria suficiente para dissipar as preocupações sobre sua capacidade de governar.

A própria Casa Branca estava aumentando as expectativas para a entrevista de Biden, com a secretária de imprensa Karine Jean-Pierre dizendo que "milhões de americanos" são esperados para assistir.

Enquanto a angústia privada entre legisladores democratas, doadores e estrategistas é profunda após a performance prejudicial de Biden no debate, a maioria no partido tem se mantido em silêncio público.

Debate

A intenção de mostrar um Joe Biden "aceso" fracassou logo no primeiro debate da corrida eleitoral, no último dia 27. A performance do atual presidente foi considerada "desastrosa" apesar de o democrata ter se fechado em Camp David dias antes com seus principais assessores para se preparar para o debate.

Em diversos momentos, Biden manteve o olhar parado e o maxilar aberto, alé de apresentar a voz rouca —atribuída a um resfriado—, pouco entusiasmo e episódios de hesitação. O debate foi marcado também pela troca de acusação entre os candidatos e mentiras contadas por Trump, que ficaram em segundo plano para os analistas políticos.

No dia seguinte, Biden admitiu o desempenho ruim e se defendeu das críticas de que não tem capacidade para governar mais um mandato.

"Não ando com tanta facilidade como antes, não falo com tanta fluidez como antes, não debato tão bem como antes, mas sei o que sei: sei dizer a verdade", disse o presidente.

Pressão por desistência

O tom defensivo não foi capaz de aplacar a dúvida que se instalou entre correligionários e outros aliados sobre a viabilidade de sua candidatura.

Um dia depois do debate, em um movimento visto como inédito por analistas, editoriais de diversos jornais dos EUA pediram a desistência de Biden.

Nesta quarta (3), o "New York Times" disse que Biden expressou a aliados suas dúvidas sobre se deve continuar a disputar a reeleição.

Segundo fontes próximas a Biden ouvidas pelo jornal, o presidente tem dúvidas sobre se poderá se reerguer após o desempenho ruim no primeiro debate eleitoral contra o candidato republicano, o ex-presidente Donald Trump, na semana passada. Biden disse que quase adormeceu durante o enfrentamento (leia mais abaixo).

Esta é a primeira vez que fontes próximas ao candidato democrata revelam dúvidas por parte de Joe Biden sobre seguir ou não com sua candidatura.

Em meio às incertezas, muitos doadores, estrategistas e políticos do partido democrata querem que Biden suspenda sua campanha de reeleição para evitar o que veem como uma derrota certa em novembro. Também há uma crescente sensação de que o partido se colocou em uma situação ruim sem uma solução clara caso Biden virasse dúvida na corrida eleitoral.

Alguns aliados estão reconhecendo os problemas de Biden, mas contrastando suas políticas e histórico com os de Donald Trump, o republicano.

O senador progressista Bernie Sanders, que foi rival de Biden pela indicação democrata em 2020, disse à Associated Press que o desempenho de Biden no debate foi "doloroso" e que não está confiante na vitória do presidente. No entanto, ele não quer que Biden desista e pediu aos eleitores que adotem "maturidade" ao considerar suas opções de voto.

De forma privada, pessoas próximas a possíveis substitutos de Biden — incluindo o governador da Califórnia, Gavin Newsom, a governadora de Michigan, Gretchen Whitmer, e a vice-presidente, Kamala Harris — estão tendo conversas informais sobre os próximos passos, caso Biden mude abruptamente de rumo e desista.

Essas conversas incluem discussões sobre possíveis companheiros de chapa, de acordo com doadores envolvidos nas discussões. Nomes de potenciais candidatos a vice-presidente que surgiram incluem o governador de Kentucky, Andy Beshear, e o deputado Ro Khanna, da Califórnia.

O deputado Lloyd Doggett, do Texas, tornou-se o primeiro democrata da Câmara dos Deputados a pedir publicamente, nesta terça-feira (2), que o presidente abandone a corrida.

"Reconhecendo que, ao contrário de Trump, o primeiro compromisso do presidente Biden sempre foi com nosso país, não com ele mesmo, espero que ele tome a difícil e dolorosa decisão de se retirar. Ele tem a oportunidade de encorajar uma nova geração de líderes dos quais um candidato pode ser escolhido para unir nosso país por meio de um processo democrático aberto", disse Doggett em comunicado.

A ex-presidente da Câmara dos Deputados Nancy Pelosi --também democrata-- disse à rede americana "MSNBC" na terça que acredita ser "uma questão legítima" o questionamento de se o desempenho vacilante de Biden é apenas "um episódio ou uma condição."

"Quando as pessoas fazem essa pergunta, é legítima — para ambos os candidatos", disse Pelosi.

Pelosi disse que não falou com Biden desde o debate, mas enfatizou que o presidente está "no auge de suas capacidades, em termos de conhecimento das questões e do que está em jogo."

Até a fala de Lloyd Doggett, os políticos democratas que se manifestaram desde o debate prometeram publicamente apoio a Biden nos últimos dias. E a equipe de Biden minimizou os problemas políticos do presidente em uma série de memorandos e reuniões privadas com doadores, estrategistas e integrantes do partido.

"Os eleitores estão impotentes", disse Nina Turner, copresidente nacional da campanha presidencial de Sanders em 2020, que agora teme que o Partido Democrata não possa vencer novamente com Biden como candidato. "A decisão recai exclusivamente sobre ele [Biden]", completou.

Donald Trump e Joe Biden em debate presidencial, em 27 de junho de 2024 — Foto: Gerald Herbert/AP

Donald Trump e Joe Biden em debate presidencial, em 27 de junho de 2024 — Foto: Gerald Herbert/AP

Democratas x democratas

Em meio à frustração diante da incerteza, grupos-chave na coalizão política de Biden — que já mostravam sinais de desgaste antes do debate — começaram a se voltar uns contra os outros.

Tim Miller, um apoiador de Biden que já trabalhou em campanhas políticas republicanas, tem sido atacado nos últimos dias por ativistas pró-Biden nas redes sociais por ter levantado preocupações sobre as perspectivas de Biden na eleição geral. Em uma entrevista, no entanto, Miller disse que os democratas eleitos lhe dizem em particular que compartilham suas preocupações.

"Para mim, o único risco agora é todo mundo calar a boca e se alinhar. Este é o momento certo para ter uma conversa aberta sobre qual é o caminho a seguir. Caso contrário, estamos em uma trajetória para outra presidência de Donald Trump", disse Miller.

Sem plano B

Ao mesmo tempo que pesquisas de opinião dos eleitores democratas indiquem receio em relação ao Biden, o presidente do Comitê Nacional Democrata, Jaime Harrison, deixou claro na terça-feira (2) que as regras do partido não deixam espaço para um Plano B.

"As primárias acabaram, e em todos os estados a vontade dos eleitores democratas foi clara: Joe Biden será o candidato do Partido Democrata à presidência. Os delegados estão comprometidos a refletir o sentimento dos eleitores, e mais de 99% dos delegados já estão comprometidos com Joe Biden em direção à nossa convenção", disse Harrison à Associated Press.

Biden garantiu quase todos os delegados democratas nas primárias do partido e consolidou o número necessário de delegados para a indicação do partido na Superterça, em março. Eles estão comprometidos pelas regras do partido a "usarem a boa fé" para refletir os desejos dos eleitores que escolheram Biden. Uma votação virtual para formalizar o status de Biden como candidato é esperada semanas antes da Convenção Democrata Nacional, marcada para os dias 19 a 22 de agosto.

Apoio do eleitor

A campanha de Biden emitiu um memorando no fim de semana alegando que ele havia perdido pouco apoio após o debate. Um memorando interno separado também argumentou que ele manteria o apoio de muitos eleitores que tiveram uma reação negativa ao seu desempenho no horário nobre.

Uma pesquisa da rede "CNN" conduzida pela SSRS após o debate revelou que três quartos dos eleitores dos EUA — e mais da metade dos eleitores democratas — dizem que o Partido Democrata teria uma chance melhor de vencer a presidência com outra pessoa na liderança da chapa. Segundo a pesquisa, a avaliação de favorabilidade de Biden não mudou significativamente, nem a parcela de americanos que dizem que votarão nele em novembro.

Uma pesquisa da agência de notícias Reuters com a Ipsos revelou nesta terça (2) que um em cada três democratas acha que Biden deve desistir de eleição e a ex-primeira-dama Michelle Obama seria a única a vencer Donald Trump em um hipotético confronto, entre os nomes levantados para substituir Biden como candidato democrata --Michelle já disse várias vezes que não tem intenção de entrar nessa disputa.

Ao mesmo tempo, a campanha do presidente anunciou na terça-feira (2) uma arrecadação massiva de fundos para o mês de junho. No total, a campanha arrecadou US$ 127 milhões (cerca de R$ 720 milhões) no mês passado, incluindo US$ 33 milhões (cerca de R$ 187 milhões) no dia do debate e logo após, segundo a campanha. Os números não podem ser verificados até que os registros federais sejam publicados no final do mês.

Preocupação democrata

Mas os aliados de Biden em estados-chave em todo o país reconhecem o medo que se espalha pelas fileiras do partido.

A presidente do Partido Democrata da Flórida, Nikki Fried, disse que tem trabalhado para acalmar as preocupações sobre a aptidão mental de Biden compartilhando suas experiências pessoais.

"Estive em reuniões e conversas e interações de perto com o presidente em que pudemos discutir iniciativas políticas importantes, mas também pudemos simplesmente ter uma conversa geral, como se você estivesse conversando com seu vizinho. (...) Nunca houve um momento em que questionei sua capacidade de governar este país e de promover o tipo de energia e coalizão que será necessária para vencer em novembro", disse Fried.

A presidente do Partido Democrata de Michigan, Lavora Barnes, disse que falou com voluntários na noite de segunda-feira e "sim, eles fizeram perguntas" sobre o desempenho de Biden no debate. Mas "precisamos focar nossas conversas com nossos eleitores no trabalho que o presidente fez em contraste com Donald Trump", disse ela.

O senador democrata de Vermont Peter Welch admitiu que o desempenho de Biden no debate intensificou as questões sobre a idade do presidente, que estão na mente dos "eleitores do dia a dia" e até mesmo dos "apoiadores extremamente enérgicos de Biden."

"Dentro da campanha de Biden, eles estão cientes disso. Achei que foi um erro a campanha de Biden criticar as pessoas que começaram a fazer perguntas que a própria campanha está fazendo", disse Welch em uma entrevista.

Fonte: Da Redação

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